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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Natureza Jurídica das Decisões do Tribunal de Contas da União

Nos termos da Constituição Federal, o Tribunal de Contas da União está ligado ao Poder Legislativo e, apesar de ser chamado de tribunal, não há relações entre este Tribunal e o Poder Judiciário. No entanto, as características apresentadas pelo Tribunal de Contas o aproximam do Judiciário. 

Esta discussão acerca de qual esfera pertence o Tribunal de Contas gerou inúmeras discussões, sendo que surgiram duas correntes distintas. A primeira delas procura enquadrar o Tribunal de Contas como órgão do Poder Legislativo, uma vez que que o TCU está dentro do Capítulo que trata do Poder Legislativo, sendo seus gastos com pessoal incluídos nos limites daquele Poder, e que isto bastaria para fechar a questão. A segunda corrente defende que a Corte de Contas seria um órgão autônomo e independente, não se subordinando, assim, a nenhum poder. 

Como consequência desta polêmica, nasce outra importante discussão, agora acerca da natureza jurídica das decisões emanadas pelo Tribunal de Contas. 

Seguindo o raciocínio de JACOBY (2012) é incontroverso que as decisões proferidas pelo TCU não podem ser objeto de reforma, no entanto, podem ser anuladas. E ainda, a regra constitucional do artigo 71, §3º, da Constituição Federal, alimenta esta controvérsia, uma vez que, segundo o referido artigo, as decisões do TCU que resulte em imputação de débito ou mula terão eficácia de título executivo.

1. JURISDIÇÃO

De modo geral, a doutrina conceitua Jurisdição com pequenas variações, como o poder do Estado de aplicar o direito ao caso concreto. Assim, a jurisdição é uma das funções do Estado. 

O processo, conforme os ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover (2010, p.47), é instrumento a serviço da paz social. Desta forma, pode-se compreender que o Estado é o responsável pelo bem-estar da sociedade e dos indivíduos que a compõem. Estando o bem estar ameaçado pela existência de conflitos entre pessoas, o Estado se valerá do sistema processual para, eliminado os conflitos, devolver a sociedade a paz desejada. 

De Plácido e Silva (1999) assinala que a expressão jurisdição, embora normalmente usada para designar atribuições especiais conferidas aos magistrados, encarregados de administrar a justiça, a ela não se adstringe. E acrescenta:

Em sentido lato, jurisdição quer significar que todo poder ou autoridade conferida à pessoa, em virtude da qual pode conhecer certos negócios públicos e os resolver. e neste poder, em que se estabelece a medida das atividades funcionais da pessoa, seja juiz, ou autoridade de outra espécie, estão incluídas não somente as atribuições relativas à matéria, que deve ser trazida a seu conhecimento, mas ainda a extensão territorial, em que o mesmo poder exercida.
Jurisdição é o poder de dizer o direito. Destaca-se que não é todo direito dito que pode ser considerado como jurisdição, mas somente aquele que é declarado por quem detém tal poder. 

A doutrina é uniforme ao estabelecer que a função jurisdicional é própria do Estado. Desse modo, no âmbito das funções que devem ser definidas no ordenamento jurídico, compete à norma definir o exercício dessa função para regular a vida em sociedade. 

Conforme salienta Jacoby (2012, p. 142) não bastará, porém, defini-lo: é indispensável, também, atribuir-lhe o caráter de executoriedade e definitividade da dictio. 

1.2. Jurisdição do TCU

Partindo-se de leituras doutrinarias, é possível observar que não há sintonia entre partidários do tradicional Direito Processual e entre simpatizante do atual Direito Processual Administrativo. Com efeito, os primeiros entendem, diferentemente do segundo grupo, que não há jurisdição no âmbito do TCU e que suas decisões são meros atos administrativos. É a percepção, por exemplo, de José Cretella Junior, para quem a função jurisdicional “é a aplicação da lei ao caso concreto, em decorrência de situação contenciosa. Não é a aplicação da lei de ofício. No Poder Judiciário, centraliza-se toda a jurisdição, que não lhe pode ser retirada nem pela própria lei, uma vez que é outorgada por mandamento constitucional expresso”.

Hely Lopes Meirelles na mesma corrente, entende que o Tribunal de Contas não exerce função judicial, mas também não exerce função legislativa, devendo ser classificado como um órgão administrativo independente de cooperação com o Poder Legislativo na fiscalização financeira e orçamentária, conforme determina a Constituição.

Esta percepção interfere diretamente na forma como as decisões do TCU serão recebidas. E Meirelles (2000) adverte:

Não se confunda jurisdicional com judicial. Jurisdição é atividade de dizer o direito, e tanto, diz o direito o Poder Judiciário como o Executivo e até mesmo o Legislativo, quando interpretam a lei. Todos os poderes e órgãos exercem jurisdição, mas somente o Poder Judiciário tem o monopólio da Jurisdição judicial, isto é, de dizer o direito com força de coisa julgada. É por isso que a jurisdição do Tribunal de Contas é meramente administrativa, estando suas decisões sujeitas a correção pelo Poder Judiciário quando lesivas de direito individual”.

Reforçando a corrente dos doutrinadores que entendem que as decisões do TCU padecem de definitividade e imutabilidade está Odete Medauar, que pondera:

“Qualquer decisão do Tribunal de Contas, mesmo no tocante à apreciação de contas de administradores, pode ser submetida ao reexame do Poder Judiciário se o interessado considerar que seu direito sofreu lesão; ausente se encontra nas decisões do Tribunal de Contas, o caráter de definitividade ou imutabilidade dos efeitos, inerente aos atos judiciais”.
Trata-se do instituto da coisa julgada administrativa. Nas palavras de Frederico Marques, “é a imutabilidade que adquire a prestação jurisdicional do Estado, quando entregue definitivamente” (nota de roda pé). Coisa julgada administrativa significa tão somente que determinado assunto decidido na via administrativa não mais poderá sofrer alteração nessa mesma via.

2. JURISDIÇÃO E COISA JULGADA

Efetivamente, restaria vazio de significado lógico e prático o conteúdo da jurisdição caso não houvesse a imutabilidade da decisão. Dessa forma, o instituto da coisa julgada torna-se indissociável da jurisdição. 

2.1. Coisa julgada formal e material 

Observa-se que, tradicionalmente, há uma divisão entre coisa julgada formal e material. Em síntese, os especialistas em direito processual associam coisa julgada formal com a imutabilidade da própria sentença. 

A seu turno, coisa jugada material diz respeito à relação jurídica que foi apreciada, ou ao bem da vida assegurado ao autor ou ao réu, em virtude do pronunciamento do Estado, impedindo que em outro processo seja decidida de modo diferente.

A coisa julgada material, na legislação pátria, como no direito comparado, merece interpretação restrita, só se perfazendo entre as mesmas partes e mesmo objeto, não alcançando nem prejudicando terceiros.

2.2. Coisa julgada administrativa

Carlos Eduardo Rôllo (2012) destaca que a definição do instituto da coisa julgada administrativa teve como base a ideia da coisa julgada definida pelo Processo Civil. No entanto, há diferenças entre os dois conceitos. 

A coisa julgada administrativa prevê um esgotamento das vias administrativas, sem exclusão da via judicial. Já a coisa definida no Processo Civil prevê o fim definitivo da questão. As decisões do TCU enquadram-se no conceito de coisa julgada administrativa, pois o conceito da coisa julgada é exclusivo do Poder Judiciário. 

Neste sentido, Carvalho Filho (2012) entende a definitividade da função jurisdicional é absoluta, porque nenhum outro recurso existe para desfazê-la; a definitividade da decisão administrativa, quando ocorre, é relativa, porque pode muito bem ser desfeita e reformada por decisão de outra esfera do Poder – a Judicial. 

Hely Lopes Meirelles (2015), como vários outros doutrinadores de renome, ao contrário, ao tratarem a coisa julgada administrativa, concluíram que se trata apenas da preclusão administrativa que impede a reapreciação dos fatos. Textualmente, o mencionado jurista declarou que:
Essa imodificabilidade não é efeito da coisa jugada administrativa, mas é consequência da preclusão das vias de impugnação interna (recursos administrativos) dos atos decisórios da própria administração, torna-se irretratável, administrativamente, a última decisão, mas nem por isso deixa de ser atacável por via judicial.
Para fundamentar o entendimento, essa corrente de pensamento averba que perante o Judiciário qualquer decisão administrativa pode ser modificada, como estabelece o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal (princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário). 

Em primeiro plano, e também como princípio geral, ao judiciário cabe apenas o patrulhamento das fronteiras da legalidade (nota de roda pé), vedado o exame quanto à conveniência e oportunidade. 

Não pode o juiz examinar uma questão se não ficar evidenciada cristalina lesão à ordem jurídica. Em nome da harmonia – não dos poderes, mas do direito – não se admite o exercício da aplicação concreta da lei com o afastamento competência da autoridade administrativa. 

Nesse sentido, José Cretella Jr.:
Inteiramente livre para examinar a legalidade do ato administrativo, está proibido o Poder Judiciário de entrar na indagação do mérito, que fica totalmente fora do seu policiamento.
Hely Lopes Meirelles também demonstra a impossibilidade de revisão judicial do mérito dos atos administrativos, tanto em relação aos vinculados como aos discricionários. Averbava em relação aos atos vinculados que:
Em tais casos a conduta do administrador confunde-se com a do juiz na aplicação da lei, diversamente do que ocorre nos atos discricionários, em que, além dos elementos sempre vinculados (competência, finalidade e forma), outros existe (motivo e objeto), em relação aos quais a Administração decide livremente, e sem possibilidade de correção judicial, salvo quando o seu proceder caracterizar excesso ou desvio de poder. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 41. Ed. São Paulo: Malheiros, p. 1380)
Jacoby (2012, p. 150), entende que julgar é apreciar o mérito e, portanto, mesmo que a Constituição não utilizasse o termo “julgar”, ainda assim, uma decisão desta Corte seria impenetrável para o Poder Judiciário. Se a maculasse manifesta irregularidade, como qualquer sentença, poderia até ser cassada por meio de mandado de segurança, mas nunca, jamais poderia se permitir ao magistrado substituir-se nesse julgamento de mérito.
O juiz deve conter sua atuação nos limites da lei e, foi a Lei Maior que deu competência para julgar contas a uma Corte, devidamente instrumentalizada e tecnicamente especializada. Mesmo que o julgamento das Cortes de Contas não fosse um ato jurisdicional típico, mas apenas um ato administrativo, seu mérito jamais poderia ser revisto pelo Poder Judiciário.

Portanto, mesmo que o julgamento do TCU não fosse um ato jurisdicional típico, mas apenas um ato administrativo, seu mérito jamais poderia ser revisto pelo Poder Judiciário.

3. DECISÃO JUDICIAL VERSUS DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS

As diferenças entre as decisões emanadas pelo Poder Judiciário e as deliberações aprovadas pelo Tribunal de Contas são notórias. Os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Contas seguem em sua maioria normas de Direito Administrativo e de Direito Constitucional e não as de Direito Processual Civil, Penal ou Trabalhista. Entretanto, nos dizeres de Lucas Rocha Furtado (2007, p. 1113):
No caso do TCU, suas decisões muito mais se aproximam dos atos judiciais do que dos tradicionais atos administrativos, sendo asseguradas aos seus Ministros as garantias e prerrogativas dos magistrados.
A súmula nº 103 do TCU dispõe que a aplicação do Código de Processo Civil no âmbito do Tribunal se dará sempre que houver falta de outra norma legal ou regimental específica. Também o artigo 298 do Regimento Interno do TCU dispõe que “aplicam-se subsidiariamente no Tribunal as disposições das normas processuais em vigor, no que couber e desde que compatíveis com a Lei Orgânica”. 

Neste momento, a fim de fomentar o debate, coloca-se na discussão a possibilidade de comparação no que tange as deliberações do TCU às decisões de outros órgãos da administração pública não integrantes do Poder Judiciário. O Conselho Administrativo de Defesa de Econômica (CADE) é considerado pela doutrina como uma entidade judicante. Suas decisões não podem ser revistas pelo Poder Executivo e em consequência devem ser executadas de imediato e utilizam o processo administrativo como meio de atuação.

Tal semelhança com o Tribunal de Contas é latente e não há como ser negada. Entretanto, Di Pietro (2005), considera que as decisões do TCU não fazem coisa julgada material, mas sim coisa julgada formal, explica que:
[...] não se pode colocar a decisão proferida pelo Tribunal de Contas no mesmo nível que uma decisão proferida por órgão integrado na Administração Pública. Não teria sentido que os atos controlados tivessem a mesma força dos atos de controle. Pode-se afirmar que a decisão do Tribunal de Contas, se não se iguala à decisão jurisdicional, porque está também sujeita a controle pelo Poder Judiciário, também não se identifica com a função puramente administrativa. Ela tem fundamento constitucional e se sobrepõe à decisão das autoridades administrativas qualquer que seja o nível em que se insiram na hierarquia da Administração Pública, mesmo no nível máximo da Chefia do Poder Executivo. 

Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça as decisões do TCU são impositivas e vinculam a administração pública, desde que respeitem os direitos fundamentais. Desta forma, cabe ao judiciário, a análise de legalidade e do cumprimento do devido processo legal pela Corte de Contas. O mérito das decisões deve permanecer como análise exclusiva do TCU.

Contato: eduardo.bezerraadvocacia@gmail.com

REFERÊNCIAS

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